Eu era nova,cabelos castanhos compridos.
Trabalhava em uma editora e viajava para fazer divulgações de livros,promover tardes de autógrafos .
Desde a adolescência sonhava em sair de casa e viver minha vida bem longe de toda aquela bagunça .
Fui,da garota popular á mais isolada.
Acontecimentos me levaram a afastar as pessoas de perto de mim.
A verdade é que sempre fui um pouco sozinha e passei a me acostumar com isso,e evitar qualquer companhia.
Obviamente que a solidão bateria em minha porta nas noites frias e fins de semana tediosos,mas eu jamais daria o braço a torcer.
Tinha que erguer a cabeça e continuar a lutar pela minhas realizações.
Acordava cedo,dava uma espiada para dentro do apartamento do vizinho pianista,ouvia alguns segundos os som dos dedos dele nas teclas e descia a escada com um copo de café na mão.Pegava um taxi e ia ao trabalho.
Essa era minha vida.
Pelo menos,por enquanto.
*
Cheguei tarde e louca para tomar algo bem doce e quente.
Lá fora ventava e chovia,e meu casaco estava ensopado.
Deixei um parte da roupas molhadas perto da porta e o restante no chão do banheiro.
Adorava a sensação de banho quente,era revigorante.
Sai,ainda secando os cabelos e percebi que não tinha açúcar em casa,logo,não teria como tomar nem uma misera caneca de chá para me aquecer.
Lembrei do vizinho. Seria ótimo,eu pegaria açúcar,e já me apresentaria.Isso me pouparia tempo.
Jogue a toalha no sofá ,vesti as meias e fui,sem sapatos,afinal era a porta da frente.
Estava aberta.Bati.
Ele não se virou,bati de novo,então a vizinha do lado que estava saindo de casa me alertou que era perda de tempo,que ele nunca falava com ninguém.
Eu disse que só precisava de uma xícara de açúcar,e ela já foi logo respondendo:
-Vai entrando e pega,ele nem vai notar.
Fiquei hesitante,mas ela me puxou pela mão,abriu o armário e me deu o pouco de açúcar que ali tinha.
Agradeci,mas para ele do que para ela,mas ainda sim não me senti confortável com a situação.
Voltei para meu apartamento fiz duas xícaras de chá,voltei ao apartamento dele.
Bati e novamente ele não se virou,eu entrei e coloquei a xícara em cima do piano:
-Acabei de fazer,..obrigada pelo açúcar.
Ele pareceu não se importar,ou nem me notar.
Caminhei lentamente ate a porta e sentei encostada no batente.
Ali se criou um habito,desde então,todas a noites e fins de semana era mais fácil me encontrar sentada na porta dele o ouvindo do que em meu próprio apartamento.
*
Crie uma certa ligação com ele. Ou melhor,com o silencio dele.
Tinha algo nele,nesse mistério todo,que me dava a sensação de conforto,que amenizava minha solidão.
Se eu fazia compras,sempre pegava algumas coisas para ele. Se eu cozinhava,levava um prato para ele.
Nunca falei mais do que o essencial para que ele notasse que eu havia chego.
Não me incomodava o fato de ele nunca puxar assunto,ou jamais ter se apresentado,o silencio dele,como já disse,de alguma forma me preenchia.
E como não tinha nada para fazer,de nada me custava ficar ali pensando na vida ,e apreciando a musica dele.
*
Eu tinha tido uma semana muito tumultuada e estressante,e para piorar,passei a compartilhar das queixas dos moradores a respeito dos aquecedores quebrados e o mal funcionamento do encanamento.
Definitivamente não estava em meu melhor dia,só sei que quem pagou o pato foi o vizinho.
Estava farta de fazer as coisas para ele e nem sequer ouvir um obrigada.
Poxa,eu estava sendo tão simpática,tão amiga,custava ele falar pelo menos o nome dele,ou que fechasse logo a porta.
Eu estava tentando dormir e pela primeira vez, foi a musica dele,e não o choro do filho da vizinha que me impedia.
Eu me levantei,fui ate lá e bati.
Ele continuou a tocar,eu bati de novo e comecei a falar.
-Oi,eu sou a Lívia,eu moro aqui em frente..éeee,geralmente eu adoro ouvir suas musicas,mas hoje eu não tive um bom dia....
Ele começou a tocar mais alto,mais forte,como se quisesse deixar claro que me ignorava.
-...na verdade eu vim ate aqui para pedir se por favor você não pode ,assim,só por essa noite parar de tocar ou quem sabe,fechar a porta,para abafar o som.
Ele parou,mas nem sequer olhou para minha cara.
-Muito obrigada,mesmo.
Quando eu cheguei na minha porta,ele retornou as tocar e o barulho parecia vir todo para meus ouvidos,como se só eu o notasse.
Tentei ignorar mais não conseguia.
Levantei,e deixando a educação e delicadeza na cama eu fui ate lá falar umas poucas e boas.
Bati forte na porta e ele não se virou.
Entrei feito um furacão no apartamento dele ,o puxei e comecei a falar.Na verdade,gritar.
-SERÁ QUE CUSTA RESPEITAR? CUSTAR COMPARTILHAR OU ENTEDER QUE NEM TODO MUNDO TEM ESSA SUA MANIA OBCESSIVA DE FICAR SEM FAZER NADA,OU FICAR TOCANDO PIANO O DIA TODO. CUSTA SER UM POUCO EDUCADO E RESPONDER AS PESSOAS,AGRADECER O QUE EU TE TRAGO,OU SIMPLESMENTE FECHAR A DROGA DA PORTA?!?!
Ele tinha os olhos serenos e distante,como se não me ouvisse.
Eu abaxei violentamente a madeira que fechava as teclas,sai bufando e batendo portas.
Eu não queria ter sido grossa,mas estava cansada,com saudades das pessoas que conhecia,com problemas no trabalho,precisava de uma boa noite de sono,para poder aproveitar meu merecido e esperado fim de semana
CONTINUA
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